Deus, a Porta, a Casa, a Igreja e o Mundo

Caros Diocesanos! Sem Deus, o ser humano é um órfão. Aposta numa sociedade, sem transcendência, sem horizontes de vida eterna, sem valores imperecíveis e cava a sua ruína. As maravilhas da técnica e saber acabam por se voltar, contra ele, como feitiço contra o feiticeiro, como diz o Beato Paulo VI: “o homem pode construir o mundo, sem Deus, mas, sem Ele, acaba por o construir contra si próprio”.

A sociedade iluminista, autónoma e petulante, retirou Deus do mundo, impedindo-nos de obter a felicidade, como dom. A liberdade, a igualdade e a fraternidade perderam o brilho, divino e evangélico e, sem o Amor e Misericórdia de Deus, a custo se regem, na esfera civil. A fraternidade supõe o Pai que nos precede. Antes de praticada, aceita-se e, gratuita, se dá e se recebe, não sendo possível vivê-la, sem o Pai, revelado em Cristo, que ensina o “Pai Nosso”, a compreensão e o perdão fraterno. No mundo órfão, sem Deus, como é possível viver como irmãos? Que sentido tem falar de valores sem o supremo valor e o ponto de apoio e de convergência de todos eles?

1.- No dia da Festa da Mãe Imaculada e Padroeira da Diocese e de Portugal, abre, em Roma, a Porta do Ano da Misericórdia. Surge o apelo a sermos misericordiosos como o Pai celeste é misericordioso. A suprema medida e referência é Deus, que, no Seu rosto humano, Jesus Cristo, convida a imitá-lo, como supremo bem, verdade e beleza e a viver, anunciar e conformar a nossa vida mortal ao Seu corpo glorioso e ressuscitado. Não há casa sem porta, nem porta sem casa. Jesus é a porta do redil, a verdadeira e única porta das ovelhas (Jo.10,7). Deus quer fazer de nós a Sua casa, que tem Cristo, como única porta de salvação, que dá acesso à Casa do Pai e quer que ela seja “casa de oração para todos os povos” (Jo. 10,7). A porta que leva ao Pai é o Filho Encarnado, que revela o mistério de Deus. Por Cristo, com Cristo, em Cristo, anunciamos a outros a Boa Nova da Salvação, sendo a Igreja o Seu Sacramento Universal, “em estado permanente de missão”, como diz o Papa Francisco, na “Alegria do Evangelho”, n. 25.

2.- No Dia 13 de Dezembro abre a Porta da Catedral da Diocese e abre-se, dum modo simbólico, o coração dos crentes à Sua Fonte e Porta, que é Cristo. Em peregrinação da Igreja do Calvário até à Sé Catedral, como o bom Samaritano que leva o ferido, para a hospedaria da Igreja, a Igreja, santa e pecadora, carecida de reforma e conversão, entra na Sé Catedral, pela Porta principal, que é Cristo, sob a guia do pastor visível, que é o bispo, que vai à frente e segue Cristo, até à cruz. Depois de entrar, na Catedral, pela Porta, que é Cristo, toda a Comunidade é aspergida, com a água do Baptismo, que abre a porta da salvação e nos enxerta, em Cristo, para O comungar na Eucaristia, que faz da Igreja a Casa reunida, em torno do altar. A peregrinação, abertura da porta, a aspersão da água baptismal, a Eucaristia pedem inocência de vida, confissão jubilosa da fé e a urgência da evangelização do mundo, a fazer, nesta nossa comunidade de discípulos, seguidores e testemunhas do Ressuscitado. A Evangelização deve ser nova, no ardor, na linguagem, no estilo e nos métodos e inicia, em cada um, na família e tem como objecto e aprendizagem de Cristo e do Seu Evangelho. Ele quer fazer de tudo e de todos a Casa de Deus, a Casa de Oração, onde quer ser conhecido e amado. Cristo desafia, no Templo, os ouvintes a fazer das pessoas, não templo de ostentação, nem covil de ladrões, mas, a casa de oração para todos os povos (Is. 56,7; Mc.11,17). Como diz à Samaritana, não é, em Garizim ou Jerusalém, que Deus Pai quer ser adorado, mas “em Espírito e Verdade” (Jo. 4, 22-24), por todos e no interior de cada um.  

A noção e ideal de Casa (oikos, em grego) atravessa as estruturas do relacionamento fraterno e de participação eclesial e administrativa, como sejam a Diocese, a Paróquia, a Economia (oikonomia) da salvação misteriosa e participativa de comunhão. Desde o início, a Igreja nascente, de Jerusalém, partia o pão pelas casas, era assídua ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fracção do pão e à oração (Act. 2,46), tendo um só coração e uma só alma. A Igreja começou nas casas e regressa às casas, ao seio da família, donde tudo, na evangelização e adesão à fé, deve partir e à qual deve voltar. Apostemos, na dignidade, grandeza e importância da Família célula mãe da sociedade e da Igreja, sem a qual é impossível mudar o mundo e ter uma vida social digna.  

Quem casa quer casa. A Família supõe a casa, em que pai, mãe, filhos e outros vivem em paz, partilham o amor, aprendem valores, testemunham solidariedade, partilha e vivência solidária. A Família é o berço, a escola e o lugar da aprendizagem de valores, no amor, no respeito mútuo, na partilha, na solidariedade e na alegria. Apostar nela é apostar na comunidade humana digna, justa e solidária, pois a Família é o fragmento e o sacramento natural e mobilizador da sociedade.

3. Dirigindo-me à família alargada que é a Igreja Diocesana, deixai-me abrir o coração e pedir a todos concórdia e bom acolhimento. Peço aos Sacerdotes e aos Fiéis Leigos que apostem no amor, no acolhimento, no perdão e no diálogo. Que a Divina Misericórdia, que é a atitude fundamental de Deus, para com o ser humano, seja a atitude habitual da nossa convivência. O mundo pode ser diferente, se em vez de respondermos com a pedra na mão aos que injuriam, maltratam e provocam, respondermos ao mal com o bem, à vingança e revanchismo, com a clemência, a misericórdia e perdão, imitando a Deus, que envia sol e chuva sobre justos e injustos, e a Cristo, que morreu pelos que O mataram. Deus mostra o Seu poder quando perdoa, é misericordioso, clemente e compassivo. Seremos imitadores e seguidores de Cristo, se amarmos, perdoarmos e fizermos o bem a quem nos faz mal, respondendo ao ódio e à inveja, com o perdão.  

A Igreja é enviada ao mundo, ao qual o Pai deu o Filho, que encarnou, viveu e morreu, por nós e assim se mostra o Amor e a Misericórdia do Pai que dá o Filho e o Espírito. Que o Ano da Misericórdia deixe marcas em nós e nos leve a abrir o coração, a perdoar e acolher as pessoas, prontos a perdoar e a responder ao mal com o bem.

Peço aos Sacerdotes que prezem o Sacramento da Reconciliação e da Eucaristia e a Unção dos Enfermos. Dêem o exemplo. Abeirem-se da Confissão, como penitentes, sejam humildes, afáveis, compreensivos e acolhedores. Jesus e o Papa pedem, para não cairmos na avareza e idolatria do dinheiro e para reafirmarmos, sempre, em palavras e obras, o supremo primado de Deus, que é Amor e Misericórdia.

Peço ao Fiéis que prezem, ajudem, digam bem dos Sacerdotes que os servem. Vejam para lá dos sinais e misérias dos seus Padres, a Deus origem do bem, fonte da verdade e da beleza. Deus, suprema bondade, verdade e beleza, está, para lá da linguagem, de enunciados e sinais e da pobreza do testemunho dos Seus ministros. Recordemos que, Padres e Fiéis, somos ovelhas, discípulos, imitadores e testemunhas de Jesus, Filho de Deus, que por nós morreu, se compadeceu e usou de misericórdia e nos manda servir a multidão dos famintos (Mc. 6, 30-37).

Paulo escreve aos Romanos e separa o essencial do acessório e digno de censura, nas celebrações e vida cristã. “Deixemos de nos julgar uns aos outros. (…). Não seja motivo de blasfémia o bem que há em vós. O Reino de Deus não é questão de comer e beber, mas de justiça, paz e alegria, no Espírito Santo. Quem, deste modo, serve a Cristo é agradável a Deus e estimado pelos homens. Procuremos, portanto, aquilo que leva à paz e à edificação mútua” (Rm. 14, 13. 16-19).

Há tanta forma pagã de celebrar e viver o Natal e tantas práticas que nada têm a ver com Jesus e o Evangelho e lhe são opostas. É a hora de purificar e expulsar vendilhões, de acabar com a ditadura do dinheiro sobre as pessoas, de construir a casa humilde, aberta e solidária, que seja a casa de Deus onde Ele quer ser conhecido e adorado e os homens sejam irmãos uns dos outros e filhos do mesmo Pai, que nos deu o Filho, que nasceu, em Belém, na gruta, entre pastores humildes que O reconheceram como o Salvador que veio servir e dar a vida em redenção fazendo o bem e morrendo por nós.

Que a Mãe de Deus, Imaculada, que trouxe o Filho de Deus, em seu seio virginal, nos ajude a olhar e a meditar tudo, no nosso coração, como Ela o fez e que Deus Pai, Filho e Espírito Santo Vos abençoe e ajude a testemunhar, com a vida santa e irrepreensível e a prática das boas obras de misericórdia, corporais e espirituais, neste ano jubilar.

+ Amândio José Tomás, bispo de Vila Real.

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