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Homilia aos Padres das Dioceses de Vila Real e Ourense

Caríssimo D. Leonardo e caros Padres da Diocese de Ourense! Bem-vindos à cidade de Chaves e à Igreja, onde o bispo de Aquae Flaviae, Idácio de Limia pregou, celebrou e foi preso por amor de Cristo. Os Padres da Diocese de Vila Real recebem-vos, com afecto. A Diocese de Vila Real é jovem, tem só 94 anos de existência. A de Ourense é antiga, do século V, tempo em que o bispo desta cidade viveu. As nossas dioceses têm raízes e passado comum e pedem respostas, empenho e amor apaixonado, no anúncio do Filho de Deus Ressuscitado. Há que viver e trabalhar unidos e firmes em Cristo, fortificados pelo seu Espírito, no anúncio do Evangelho.  

1. A leitura dos Actos dos Apóstolos (Ac.19, 1-9) fala da evangelização de Éfeso, capital da província da Ásia, do ensino de Paulo, na Sinagoga, durante três meses e do corte, com a Sinagoga, para marcar a novidade de Cristo. A Igreja abandona o culto judaico, passa a reunir-se nas casas, nas famílias, utilizando a cultura e língua grega e a fé de Israel, como ajuda, ponte e veículo para o anúncio do Evangelho e novidade de Cristo. Paulo pregou dois anos, em Éfeso. Daí escreveu aos Gálatas e Coríntios. Aí, sofreu, foi perseguido por Judeus e sequazes de Artemis, deusa de Éfeso. Denunciou a idolatria e o erro. Utilizou estradas, língua e cultura grega e a pré-evangelização de Apolo, acerca do baptismo de João e o apelo à conversão. Em Éfeso, havia pessoas, iniciadas, que sabiam alguma coisa, mas ignoravam Cristo, Filho de Deus, morto e ressuscitado e a vinda do Espírito, que Jesus promete e dá. O Baptista introduz e leva a Cristo. É assim que os Evangelhos falam de João Baptista, que aponta o Cordeiro de Deus, diz não ser o Messias, dá testemunho e mostra Aquele que é maior que ele, está antes dele e, para lá do baptismo de água, traz o baptismo de fogo, que transforma, no Espírito, converte interiormente as pessoas, dando o tríplice testemunho da água, do Espírito e do Sangue e assim pela sua morte e ressurreição nos salva. É preciso que Jesus cresça e João, diminua. Segundo o Baptista o essencial e importante é Cristo não é ele. E isto vale para todo o pregador e missionário e para a Igreja inteira que não se anuncia a si mesma, mas a Cristo, luz, caminho, porta, verdade e vida.

2. Paulo ensinou Apolo e os discípulos de João e eles, ouvindo-o, creram e invocaram o nome de Jesus e o Espírito desceu sobre doze homens, como no Pentecostes e em Cesareia, no baptismo de Cornélio. A diferença exterior da lavagem não é grande. Há que deixar-se mudar pelo Espírito e não banalizar o Sacramento, como mera lavagem de água, sem o Espírito. Há o perigo do folclore, da convenção, moda ou praxe social. Que é que os fiéis entendem ao pedirem o baptismo para os filhos? Faltam fé, vontade de conversão, motivações e obediência a Cristo e ao Espírito e renovação de estilo de vida. A ignorância e indiferença é muita, o contra-testemunho e os perigos são visíveis. A evangelização da sociedade é urgente. Não basta a rotina e pastoral de manutenção, há que apostar na catequese, na evangelização e esclarecimento das pessoas.   

Segundo a leitura dos Actos, os novos crentes não invocam o nome de João mas o de Jesus e o Espírito Santo é o verdadeiro distintivo da novidade do Evangelho, sendo a Igreja fundada por Cristo, o mistério de comunhão de irmãos, em união com as Três Pessoas Divinas, uma vez que “a Igreja é o campo onde o Espírito floresce” (S.Cipriano).  

A preparação para os sacramentos é precisa, pois, muitos vêem os sacramentos como  ritos e praxes sem impacto na vida. Falta a fé, a conversão e compromisso em prol do Reino. Não sabem o que são sacramentos, o que fazem e para que servem. E, como em Éfeso, não conhecem o Espírito Santo. Para muitos, os sacramentos são convenções, teatro, conveniências e folclore. A prática sacramental é rotina, sem ardor e verdade, no divórcio entre fé e a vida. Tudo pede a evangelização, a conversão e a catequese de iniciação cristã, familiar e mistagógica e maior empenho e vida catecumenal.

3. A vinda a Chaves, onde o Cronista do Reino Suevo, com capital, em Braga, Idácio de Limia foi pastor e bispo e onde foi preso, pela fé católica, é cheia de significado. A fé e o testemunho dos santos pastores, arautos do Evangelho de Cristo, que modelaram a nossa cultura comum, como Idácio, Turíbio de Astorga, Martinho de Dume, S. Rosendo e outros mostram que as dioceses de Ourense e Vila Real têm raízes comuns, amor fraterno e desejo de comunhão. A situação social e religiosa é semelhante, com uma panóplia de problemas e carências parecida, mas também, com respostas, a conhecer e harmonizar entre nós, para construir um futuro cristão promissor comum. A crise, os problemas, a secularização, a falta de fé, ignorância e desinteresse são iguais aqui e na Galiza. Hoje, não há fronteiras, há o mundo aberto, exposto, plasmado pelo mal e bem levados pelos meios de comunicação social, que são hoje o que as estradas romanas, a língua, a cultura e a filosofia grega foram para a pregação missionária de Paulo. Os meios de comunicação são os novos púlpitos e as estradas da Palavra de Deus.

4. Este encontro, em Chaves, é para nos conhecermos e dialogarmos. No diálogo não há vencedores nem vencidos, mas enriquecidos. Neste mundo global, há que dar as mãos, trabalhar unidos, enxertados, em Cristo, aproveitando o que ajude no anúncio do Evangelho à sociedade pós-cristã, secularizada, indiferente, sem Cristo, sem Deus e sem esperança, com meras tintas de religiosidade, magia e praxes sem sentido. Às pessoas falta o fermento do evangelho, o conhecimento das verdades da fé e iniciação cristã. A Europa, sem valores, é chão que deu uvas, sociedade que vive como se Deus não existisse, pós-cristã e indiferente. E o mundo vive entre a presunção de possuir, poder e dominar tudo e o desespero de viver infeliz, derrotado e não ter nada.

Aqui, nesta sua catedral, foi preso Idácio, bispo de Aquae Flaviae, nascido em 390, em Ginzo de Limia, e falecido em 470. A sua vida, pregação e perseguição mostram que o falar de Cristo nunca foi fácil, pois, Ele não prometeu um mar de rosas e vida tranquila, mas dificuldades e perseguições, exortando a não ter medo, a ter confiança porque Ele venceu o mundo (Jo 16,29-33). Na oração de despedida, pediu ao Pai, para vivermos unidos, no mundo, e nos livrar do mal. E disse: “não fostes vós, que me escolhestes, fui eu que vos escolhi e vos enviei, para irdes e dardes fruto e o vosso fruto permaneça”. 

Com S. Turíbio, bispo de Astorga, mandado pelo Papa Leão Magno à península, para defender a fé católica, contra o Priscilianismo, Idácio, sagrado bispo de Aquae Flaviae, em 427,ajudou a plasmar a cultura greco-romana e bárbara, com a luz da fé. Como S. Agostinho viu que os Bárbaros eram, como mosquitos, atraídos pela luz de Cristo, que em parte tinha já plasmado a civilização romana e helenista. Idácio impôs-se pela fé, cultura e peso social, tendo sido mediador da paz entre Romanos e Suevos invasores. Como mediador e pacificador, se deslocou à Gália, em 431. Homem de diálogo, douto e promotor da paz é exemplo para quem é chamado a construir pontes, a fomentar a comunicação e o diálogo e a derrubar muros e a nos defendermos da intolerância, do fundamentalismo religioso, da indiferença e da dureza de coração.

Um século mais tarde, S. Martinho, bispo de Dume e de Braga, falecido em 579, foi o protagonista da evangelização dos Suevos e da catequização dos rudes e ignorantes, seguido, séculos depois, por S. Rosendo, falecido a 1 de Março de 977, que foi bispo de Britónia, hoje Mongoñedo e fundador do mosteiro de Cela Nova, perto de Ourense.  Muitos monges, padres e bispos ajudaram as gentes deste território, cristianizando a vida e a cultura. Que estes exemplos nos ajudem a viver unidos e sendo dignos deles. Não esqueçamos o grande pastor, o Arcebispo de Braga, que nos deixou tanta obras de Catequese e o “Estímulo dos Pastores”, o Bem-Aventurado Bartolomeu dos Mártires, que patrocinou a reforma da Igreja, a formação do clero e dos fiéis, a criação dos Seminários e a evangelização das nossas gentes, criando em Chaves uma Escola de Moral e de Casos de Consciência e fomentando a Catequese da gente simples.

5. O programa pastoral da Diocese de Vila Real pede-nos para nos concentrarmos na educação e valorização da família que se prepara e merece, como igreja doméstica, célula mãe da sociedade, berço, escola, palco e púlpito de formação e transmissão de valores, de socialização e de prática e aprendizagem do amor e da misericórdia, como a Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Amoris Letitia” do Papa Francisco o pede que seja.

Gratos aos missionários e intrépidos defensores da fé, continuemos unidos e decididos a evangelizar, não nos envergonhando de Cristo, prontos a dar a vida se necessário. A missão de discípulos, imitadores e testemunhas de Cristo supõe íntima união com Ele e abertura ao Espírito. Não calemos o que vimos e ouvimos e o Espírito nos dá. Vivamos unidos, no trabalho e na oração, deixemo-nos converter, mudemos o estilo de vida e a mentalidade, crescendo em graça, fervor apostólico e na caridade fraterna, para que Deus seja louvado, Cristo seja conhecido e amado e os homens sejam salvos. Amen.

Chaves, 9 de Maio de 2016.

+ Amândio José Tomás, bispo  de Vila Real

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