Homilia – Ano Novo (Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus)

Na celebração do primeiro dia do novo ano, o Evangelho convida-nos a regressar ao presépio para aí, como os pastores, contemplarmos Maria, José e o Menino. Em Jesus reconhecemos o Filho enviado por Deus Pai para salvar o mundo, para lhe abrir caminhos de esperança e de paz. Com Maria, que a liturgia de hoje proclama como Mãe de Deus, aprendemos a viver espiritualmente os acontecimentos, guardando tudo no coração e dando sempre graças a Deus. Na figura discreta e silenciosa de São José identificamos a atitude de permanente disponibilidade, necessária para cumprir a vontade de Deus.

A nossa contemplação do presépio e a participação  no sacramento da eucaristia, presença viva e salvífica de Jesus, permite-nos acolher a mesma alegria que inundou o coração dos pastores. Como eles, também nós proclamamos hoje as maravilhas de Deus, nomeadamente ter-nos permitido chegar ao primeiro dia do ano da graça de 2024. Seguindo a recomendação  dada a Moisés, queremos invocar a benção de Deus para que, neste novo ano, volte para nós o seu olhar, nos seja favorável e nos conceda a paz.

A abrir o ano a Igreja convida-nos a refletir e a rezar pela paz. Ela é a grande benção porque congrega todos os dons, e na sua ausência todos eles ficam comprometidos. Com paz nos corações e nas famílias, com paz em cada sociedade e na convivência entre os povos, todos os bens podem ser alcançados. No mundo de hoje em que as formas de violência se multiplicam e as guerras persistem, precisamos de rezar pela paz e de pensar nos modos e nos meios de a promover.

Na sua mensagem para este Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco propõe como tema: «A Inteligência artificial e a Paz», ou seja,  a relação entre a tecnologia, os avanços da ciência e a paz. De facto, é necessário reconhecer que a ciência e a sua aplicação em avanços tecnológicos, contribuiu para resolver muitos problemas como por exemplo curar doenças e atenuar sofrimentos. Por outro lado, as novas tecnologias da informação estão a mudar o modo como se comunica, o trabalho, o ensino, o consumo e tantos aspetos da vida social. O imenso impacto destas tecnologias, sendo positivo quando colocado ao serviço do bem da pessoa e da sociedade, não dispensa uma avaliação sobre alguns riscos e limites.

Quando o avanço tecnológico produz artefactos cada vez mais inteligentes e poderosos, como é exemplo aquilo que se designa como Inteligência Artificial, colocam-se novas questões como o problemas da desumanização, do controle das pessoas e sociedades, da manipulação da informação, dos gostos e das opiniões. Há novas e difíceis questões éticas, lembra o Papa, nomeadamente a aplicação destas tecnologias em processos de decisão e também o seu uso na guerra, com armas cada vez mais sofisticadas e letais.

Em causa não está o avanço tecnológico mas a exigência  do seu uso ao serviço de um desenvolvimento integral da pessoa e da sua aplicação respeitando sempre os direitos fundamentais da pessoa. O paradigma tecnocrático em que vivemos tem dificuldade em fazer esta reflexão ética porque subordina os seus critérios apenas à eficiência, ao lucro e ao poder. As sociedades e os Estados têm a urgente e grave responsabilidade de definir os princípios e traçar  os limites para que estas tecnologias estejam ao serviço da paz, da fraternidade e de um futuro mais humano.

A esta encruzilhada em que se encontra a civilização poderíamos acrescentar as encruzilhadas em que se encontram o nosso país e o mundo. Em ambos os casos o novo ano apresenta-se como determinante. Olhamos para o mundo e sentimos um forte apelo a rezar pela paz. Quem deseja e pede a paz, concretamente para a Terra Santa, a Ucrânia e outros lugares, deve estar disponível para um caminho de conversão. Todos, começando pelos implicados, são chamados a fazer este caminho que começa no reconhecimento do mal provocado às vítimas, sobretudo civis, na necessidade de procurar soluções pelas vias da racionalidade, do diálogo e do compromisso. Não é possível uma paz autêntica com a destruição do outro ou com a imposição do mais forte. A paz só é verdadeira e duradoura quando é justa, quando é resultado de uma conversão à cultura do diálogo e do encontro.

Para o nosso país este será também um ano de particular importância. Ao celebrarmos os 50 anos de uma revolução que abriu as portas da paz e da liberdade e prometeu o desenvolvimento, tendo consciência de tanto que foi feito e do que ficou por fazer, importa não desistir de sonhar com um país mais justo, solidário e desenvolvido. Importa renovar em todos este sonho e congregar a sociedade na sua concretização.

Seria uma ilusão ficar a olhar para trás dando como definitivamente adquiridas a paz e a liberdade quando são bens preciosos mas frágeis. Seria uma irresponsabilidade perder tempo com querelas artificiais e inúteis, resultantes de modas culturais alimentadas por minorias, quando é prioritário que nos concentremos em resolver problemas básicos do quotidiano como a saúde, a educação e a habitação. Seria um equívoco apostar em polarizações, instigadas por sectarismos ideológicos ou por outros interesses, que geram clivagens sociais em vez de unir à volta das causas decisivas para o futuro de todos, especialmente das novas gerações.

A construção de uma sociedade mais pacífica, justa e fraterna, desígnio de todo o cristão e dos homens ou mulheres de boa vontade, exige o compromisso de todos. Uma sociedade melhor, além de instituições mais prestigiadas, de uma justiça mais célere e credível, de imprensa independente e rigorosa, precisa de contar com servidores da causa pública com perfil de maior exigência ética e competência e com cidadãos mais inconformados e participativos.

O Natal celebra a plenitude dos tempos que teve lugar com o nascimento de Jesus. Passados mais de dois mil anos, a nossa missão como  cristãos é “elevar” o tempo que vivemos, não o deixando decair na desumanidade, na injustiça e na destruição. Temos por missão ajudar cada pessoa a reconhecer a sua dignidade e a sua condição de Filho de Deus e herdeiro de um futuro que Deus quer melhor para todos. Que os nossos projetos para este novo ano entronquem neste plano de Deus.

Vila Real, 1 de janeiro de 2024

+António Augusto de Oliveira Azevedo

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