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D. Joaquim Gonçalves: o quarto bispo de Vila Real (testemunho I)

Agradeço o honroso convite do amigo Presidente da C.M de Mondim de Basto, Bruno Ferreira a quem desejo uma rápida recuperação.

Posteriormente este convite foi secundado pela senhora vereadora Dr.ª Carla Silva e pelo senhor P. Queirós para intervir nesta sessão comemorativa dos 100 anos da criação da diocese de VILA REAL, e que procura evocar, aqui em Mondim de Basto, a figura do senhor D. Joaquim Gonçalves – 4.º bispo de Vila Real.

Sinto a honra deste convite, mas também a responsabilidade e o dever, na medida em que sempre tive uma consideração muito grande pelo senhor D. Joaquim Gonçalves com o qual me cruzei em várias etapas da vida:

Sou seu conterrâneo, porque ambos somos de Fafe, eu de Golães, ele de Cortegaça-Revelhe – terras de duas boas bandas de música, rivais, mas que nunca foi impedimento de uma sã convivência, porque ambos defendemos, acima de tudo, a qualidade.

Mas foi sobretudo no seminário de Braga, onde eu e os meus colegas tivemos o privilégio de ser acompanhados pelo então seminarista Joaquim Gonçalves, nós no 5.º ano (9.º atual) e ele já no 4.º ano, finalista de Teologia. Com efeito o 5.º ano funcionava no seminário de Teologia e Joaquim Gonçalves fazia-nos uma preleção e meditação, todas as semanas, antes da missa da 7 da manhã, que nos deliciava pela sua profundeza e abertura aos novos tempos.

Depois perdi o seu enriquecedor convívio, após a sua ordenação sacerdotal (1960) e a sua colocação na Póvoa de Varzim onde colaborava com o seu irmão, P. José Gonçalves, na igreja de S. José e, posteriormente, lecionava Religião e Moral no então liceu Eça de Queirós e depois Filosofia nas Escola Secundárias de Barcelos, Póvoa de Varzim e Braga (Sá de Miranda).

Retomei o seu contacto com a sua vinda para Vila Real, isto em maio de 1987, data em que foi nomeado bispo coadjutor (com direito à sucessão) e finalmente o 4.º bispo de Vila Real, a 18 de janeiro de 1991.

Mais do que conversas privadas, que foram bastantes, mais importante é mostrar o seu pensamento. Acho profunda a mensagem que seu irmão P. José Gonçalves, que cita o grande bispo de Setúbal, D. Manuel Martins: «Publique os seus escritos. Foi um bispo de valor… A Igreja precisa de mensagens simples que nos conduzam às profundezas de Deus». É por isso que, para falar de D. Joaquim Gonçalves, mais do que pequenos pormenores, o importante é conhecer o seu pensamento e a sua mensagem que felizmente se encontram nos livros publicados: Palavras que permanecem; O outro Jonas e a Travessia.

O Homem: Ao contrário de que muitos dizem e pensam, o senhor D. Joaquim era um homem afável e sorridente. Sei que, por vezes era menos delicado em algumas visitas às freguesias, mas tal como Jesus Cristo, no único episódio em que o vemos irado – para com os profanadores do Templo. Ao expulsar os vendilhões do templo, o evangelista refere: Está escrito: «A minha casa é casa de oração, mas vós fizeste dela uma espelunca de ladrões» (Lc. 19,25) e S. João diz que perante esta cena  «Lembraram-se os seus de que está escrito: Devora-me o zelo de tua Casa».  Era este espírito que mostrava D. Joaquim perante situações que ele entendia como não adequadas para o culto a Deus e o levavam a reagir com energia.

Mas, ao contrário do que muitas vezes parecia, era rigoroso com o erro, mas humano e compreensivo com as pessoas, conforme poderemos verificar nos seus textos. Numa visita que lhe fiz uns dias antes da sua morte no Passeio Alegre, Póvoa de Varzim dizia-me «Um bispo é escolhido e o seu serviço à Igreja não é deixar correr, mas falar, orientar, corrigir e mandar quando necessário.»

Mas a sua Humanidade sempre vem ao de cima. Basta ver a homilia da sua Ordenação Episcopal (18.10. 1981; pág.13) que envolve todos na sua alegria:

«os parentes, reveem o filho, o irmão, o sobrinho, o cunhado, o primo em vários graus, o padrinho e o tio, e regozijam-se por esta ligação de sangue e parentesco. Também eu me alegro com todos, em especial com a mãe que Deus quis conservar até hoje.»

Mas fala também:

«nos conterrâneos olham o filho da terra.

Os condiscípulos da escola primária e do seminário…

Os professores da instrução primária e do seminário

Os colegas de estudo e de magistério oficial

Os alunos destes vinte e um anos de ensino

Os sacerdotes e leigos da diocese…

Os movimentos de apostolado, sobretudo da pastoral familiar…»

Por isso D. Joaquim Gonçalves tenta envolver no dia solene da sua consagração episcopal todos aqueles que se cruzaram com ele desde a sua infância porque como diz «sinto que a estrutura do homem é tecida por fios invisíveis de relações com pessoas e com espaços» .

É um homem do terreno que diz: «Trago em mim a proximidade das relações da aldeia minhota, o ambiente alegre dos trabalhos do campo que tornam transparentes muitas parábolas do reino de Deus, e também os horizontes mais vastos   das fainas do mar e de enormes multidões em férias; educaram-me a sensibilidade os cantares simples do povo, em casa e na igreja, e a solenidade do canto gregoriano dos pontificais da Sé.» (pág.14).

Estas palavras denotam claramente uma personalidade humana que cria laços e quer envolver a todos como parte integrante daquilo que é: Um bom exemplo.

 Outro aspecto que quero referir relaciona-se com a sua formação:

Vem de uma aldeia do concelho de Fafe, de uma família numerosa de 8 filhos, passa pela escola primária da sua terra, depois para o seminário de Braga , cursa 5 anos de humanidades, 3 de Filosofia e 4 de Teologia,  ordena-se em 10 de Julho de 1960, vai para coadjutor de seu irmão, o P. José Gonçalves, pároco da Igreja de S. José na Póvoa de Varzim, dá aulas de religião e Moral, na Póvoa de Varzim, mas não contente com a sua  formação matricula-se em Filosofia na Faculdade de Letras,  da Universidade do Porto.     

Esta formação permite-lhe uma cultura profunda aliando o saber profano e o religioso que lhe dá uma segurança e uma sabedoria que explana em todas as suas comunicações e homilias.

Mas estas competências poderiam torná-lo um intelectual, difícil de entender pelos diversos públicos, nomeadamente os mais simples. Não é este o caso de D. Joaquim Gonçalves. A sua sabedoria serviu para tornar claras as coisas mais complexas e difíceis. 

Ouvi muitas vezes muitas pessoas dizerem-me:

«gostamos de ir às missas solenes com o senhor bispo D. Joaquim porque ele fala e nós percebemos tudo».

Isto pode ser verificado no livro das suas homilias, em boa hora publicado pelo seu irmão, «Palavras que permanecem» (Paulus Editora) em que se alia a profundidade com a clareza.

Por outro lado, era comedido no tempo: não cansava.

As suas homilias começavam na realidade da vida das pessoas ou instituições e depois ilumina-as com a Palavra de Deus.  A razão é que nas suas palavras «Sendo verdade que a evangelização inclui conhecimento científico das razões da nossa esperança, ela exige mais. A dimensão cultural da fé e a parte objetiva, mensurável, mas há no ato de crer uma dinâmica interior de tipo obediencial aos apelos de Deus que ultrapassa a obediência objetiva. É o mistério da profundidade da pessoa humana, a zona vital. A zona da palavra, da reflexão e do saber, não é a mais profunda.  Aquela encontra-se «mais dentro» onde o homem intui o essencial da vida e «se encanta» … Chamam-lhe uns «razões do coração» outros «suplementos de alma» … Nós chamamos-lhe dinamismo da presença do Espírito Santo, ativo mesmo nos não batizados (Gaudium et Spes)».  No batizado  é uma voz que não vem da carne nem do sangue (Mt 16,17)   e que dá testemunho de que somos « filhos de Deus » e não coisas do mundo (Rm 8,16) (in  Palavras que permanecem, pág. 203).

O Bispo

A 18 de Outubro de Outubro de 1981, foi ordenado bispo auxiliar de Braga e titular de Osuna. Estando nós a comemorar os cem anos da diocese de Vila Real não vou dar atenção à sua prestação como bispo auxiliar de Braga, mas à sua missão como bispo coadjutor de Vila Real (Maio de 1987, sendo o bispo D. António Cardoso Cunha, a quem sucede como bispo de Vila Real (18 de janeiro de 1991). Este trânsito descreve-o brilhantemente D. Joaquim Gonçalves em «O outro Jonas» (pág. 11) de uma forma poética:

«Passaram vinte e um anos da faina à beira mar e a voz soa mais alto:

Homem do leme, deixa o cais das águas tranquilas
E as redes do barco adormecidas.
Sobe ao planalto,
Sobe ao Sameiro:
Serás pastor auxiliar do pastoreio
De um rebanho a outrem confiado.
Passaram mais seis anos,
E soa novamente a mesma voz de antanho:
Olha a nascente, sobe ao montado,
A pastorear outro rebanho
Em tardes frias e noites de luar.»

Aqui começa mais uma missão de D. Joaquim.

A mim, observador interessado e participativo, D. Joaquim aceita esta missão com amor e paixão. Ele vem para ficar e quer ser um bispo presente e um «bom pastor». Utiliza o método da Ação Católica: ver, julgar e agir

VER: Em pouco tempo, com a sua sageza e o seu empenho procura inteirar-se das virtudes e fraquezas  da igreja diocesana. Ouve muita gente: Clero, autoridades e o povo. Percorre a diocese de norte para sul, de nascente para poente em visitas pastorais e visitas informais.

Reconhece as virtudes e fraquezas da igreja a si confiado. Depois deste conhecimento cria um:

PLANO DE ACÇÃO :

  • Formação:

Com a participação da Universidade Católica Portuguesa cria em Vila Real o Centro Católico de Cultura  e através deste um curso de Ciências Religiosas com o grau de licenciatura para formação de leigos e professores de Moral (30 de outubro de 1993) e outros cursos para formação. Os motivos para a criação destes cursos são «de natureza pastoral- a evangelização do nordeste transmontano».

Na homilia de abertura do Centro Católico de Cultura (pág. 201) justifica a necessidade de levar “à evangelização da inteligência crente. Numa época em que a humanidade procura em tudo um saber rigoroso, a dimensão religiosa da vida tem de ser também apresentada em esquemas de valor científico, pondo termo ao velho preconceito de que para crer se não pode refletir, sob pretexto de a religião pertencer ao reino da emoção e sentimento».

  • Dignificação da liturgia e cânticos litúrgicos – «para que as celebrações sejam dignas  e o cântico tenha densidade litúrgica. Exige nas igrejas que existam livros litúrgicos adequados e visíveis e não apenas pequenos missais pessoais para dignificar a Palavra de Deus».
  • Instituiu as recoleções mensais para o Clero, o dia de retiro no princípio da Quaresma e a Casa do clero.
  • Acompanhamento atuante na recuperação da Sé Catedral (Igreja de S. Domingos) com reuniões constantes com os técnicos do IPAR  para os levar à integração das normas litúrgicas – Daí, que  dedicação do altar da Catedral profere uma homilia em que refere isso mesmo : «Nesta hora, sentimos os valores históricos e estéticos, e os elevados valores económicos aqui investidos, estão bem aproveitados se servem a glória de Deus, não havendo lugar à “arte pela arte”. A minha casa é casa de oração». Esta vocação fundamental das igrejas impôs algumas exigências iniciais ao trabalho artístico nelas realizado, de modo que tudo sirva o ministério da Liturgia e seja ícone de Deus.» (Pág. 349).

Depois salienta os elementos fundamentais das igrejas: o altar, o ambão (a mesa da Palavra), o sacrário, a pia batismal, o confessionário e a cátedra;

  • A nível social: Casa para o clero e apoio à construção de Centros sociais em várias paróquias para serviço da população e envelhecida.
  • Um bispo atento à vida da diocese e sempre presente a todas as solicitações:

Nas missas crismais com todos os sacerdotes da diocese, na quinta-feira santa na Sé, acentuando a dimensão dos primeiros séculos e recordada pelo Concílio: «os sacerdotes  são enviados em presbitério em comunhão com um bispo e com os irmãos» (pág. 308)

Na festa do emigrante em Paris;

Nas festas de todas as Senhoras dos vários arciprestados: Senhora do Viso, senhora da Pena, senhora de Almodena, senhora da Saúde, senhora da Graça, aqui no monte Farinha, Misericórdias que devem ter um amor preferencial pelos pobres, Cruz vermelha, Caixas Agrícolas, antigos alunos do seminário, Festa dos Regimentos Militares, jubileu das Bandas de Música e grupos corais; Conferências Vicentinas; Jornada diocesana da Juventude, inaugurações de teatro, arquivo, Biblioteca, conservatório de música e muitos outros equipamentos .

 Em todos teve uma palavra de congratulação pela utilidade dos mesmos, mas apontando sempre para que estas instituições «ajudem as pessoas a crescerem na verdade, nos caminhos históricos dos homens e dos seus legítimos sonhos e aspirações».

Ordenações de bispos e padres, (bispos António Marto e D. Manuel Linda (20 de setembro de 2009)

Bênção de pastas dos estudantes e muitos mais, que dada a escassez do tempo, não me é possível abordar, mas que espero ter contribuído para despertar a curiosidade de leitura do referido livro «Palavras que permanecem».

Um bispo atento ao desenvolvimento: «Apraz-me registar o surto de desenvolvimento que ultimamente se vem notar entre nós: na vida académica, na assistência hospitalar, na construção civil, no turismo, na rede viária e nas comunicações» (idem pág 217)

Finalmente: O Conhecimento da Diocese e a criação da ORATÓRIA TRAVESSIA:

Nesta Oratória, musicada pelo Professor Doutor e Maestro P. Joaquim dos Santos, D. Joaquim revela um conhecimento profundo de toda a diocese de Vila Real, equiparando a cristianização destas terras desde o alto Tâmega e Barroso até ao Marão, Panóias e Douro, desde a terra Fria até à Terra Quente, ao êxodo dos Israelitas desde o Egipto até à Terra Prometida.

Muito teria a dizer, mas o limite do tempo não mo permite.

Como estamos nesta Terra de Mondim de Basto cito as palavras de D. Joaquim Gonçalves, no dia 2de setembro de 2007, na festa da Senhora da Graça:

«No alto deste Monte, elevados acima dos lugares de trabalho, avaliamos melhor a nossa vida: o presente e o futuro, a vida década um, a vida da família, a vida da diocese, a vida da catequese paroquial, a vida das escolas que brevemente recomeçam. Tudo se torna mais claro. Peçamos à Senhora luz e coragem» (pág. 420).

O seu sucessor, D. Amândio Tomás, no seu funeral afirmou que D. Joaquim «sempre recusou a nivelar por baixo, para convidar sempre a subir a «a montanha» e a trilhar o caminho alto e árduo da ascese, do empenho, do trabalho e desprendimento, sonhando e desejando a perfeição, a plenitude da vida em Deus e a evangelização que tanto amava e à qual se dedicou de alma e coração».

Mondim de Basto, 8 de outubro de 2022

José Fortunato Freitas Costa Leite

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