Caminho da cruz, caminho para uma vida com abundância – Mensagem para a Quaresma de 2023

          No tempo da Quaresma todo o Povo de Deus é convidado a caminhar com Cristo para celebrar com mais fé e espírito novo o mistério pascal. Caminhamos como um povo que se decide a caminhar em conjunto, seguindo a Jesus, para aprender o significado redentor da sua cruz. Só caminhando como povo e com Cristo, em autêntico espírito sinodal, poderemos viver este tempo como tempo de renovação que nos permite evidenciar a marca pascal da fé cristã.

          No atual contexto, fazemos este caminho com o coração carregado de dor e tristeza por causa das notícias dos graves abusos cometidos contra crianças. Levamos também o coração preocupado e angustiado com os infindáveis males da guerra, das injustiças e das calamidades que têm afetado a vida de tantas pessoas inocentes. Sentimos o coração pesaroso e envergonhado com os pecados cometidos por cada um, praticados por ação, omissão, indiferença ou cobardia. Mas o nosso coração não pode deixar de desejar uma autêntica conversão. Não podemos desistir de tudo fazer em ordem a uma purificação da vida da Igreja, de cada família e comunidade, sabendo que tal só será possível se começar por cada um de nós.

          No caminho quaresmal coloquemos o nosso olhar em Jesus que carrega a cruz, o servo sofredor, com o rosto desfigurado e o corpo ferido, desprezado pela multidão e sem força para carregar a cruz. Ele é a imagem da humanidade ferida bem como o sinal de um Deus solidário com as vítimas de todos os males. Mas é Ele que nos deixa o grande testemunho de que da morte pode ressurgir a vida – «Se o grão de trigo, lançado à terra não morrer, fica só, mas se morrer dará muito fruto» (Jo.12,23) – e nos ensina a pedagogia do perdão como condição para uma autêntica pacificação interior e exterior.

          Neste último ano do triénio de celebração do centenário da nossa diocese fomos desafiados a «Frutificar com alegria». Para isso devemos começar por «exercitar a arte do discernimento espiritual, distinguindo na árvore da Igreja os ramos que estão vivos daqueles que já secaram e estão mortos» (T. Halik). O primeiro passo é o reconhecimento de que na nossa vida pessoal e eclesial há tanta coisa estéril e fútil porque está distante da palavra de Jesus e não é irrigada pela seiva do seu Espírito.  Os exercícios quaresmais correspondem precisamente à necessidade de podar e deitar fora tudo o que está a mais, aquilo que não dá fruto e impede até a árvore de dar novos e mais abundantes frutos.

          Este é o tempo de cuidar da vinha do Senhor, a sua Igreja, de prestar mais atenção à árvore que representa cada comunidade e ao ramos constituídos por cada um de nós. Urge cuidar do terreno para que esteja bem preparado de forma a escutar a Palavra de Deus  e deixar que ela seja mais fecunda. Urge estar atento e vigilante de forma a resistir a todo o tipo de pragas ou ervas daninhas, tenham elas o nome de clericalismo, carreirismo, ambição de poder ou dinheiro. Façamos um sério e eficaz jejum quaresmal, nomeadamente de tudo o que prejudica uma autêntica vida cristã em termos pessoais e de tudo aquilo que obscurece o rosto evangélico que a Igreja é chamada a ter.

Acima de tudo, importa reforçar os laços que nos unem à verdadeira videira que é Jesus Cristo. Neste tempo especial cultivemos uma oração mais intensa e um silêncio mais meditativo que favoreçam um encontro forte com Cristo. Vivamos de forma mais profunda os sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, expressões supremas e sagradas do amor de Jesus Cristo por todos. Estas práticas sacramentais, mais do que preceitos, devem ser entendidas como dons que nos enriquecem e alimentam o  nosso espírito para termos a energia capaz de produzir mais frutos.

A esmola e a partilha de bens pelos mais pobres foram sempre na Igreja sinais decisivos de conversão ao Evangelho. Cada cristão, família ou comunidade poderá encontrar as modalidades mais eficazes de as pôr em prática. Em concreto, na diocese de Vila Real, a tradicional forma da Renúncia Quaresmal destina-se ao Fundo Social Diocesano que foi constituído para socorrer e apoiar as pessoas e famílias que passam por maiores necessidades materiais.

Percorramos juntos este caminho quaresmal, como discípulos daquele Mestre que disse: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo. 14,6), sabendo que com Ele, levando a cruz, chegaremos à Páscoa. Só na Páscoa de Cristo é possível a grande novidade: da morte pode ressurgir a vida e a vida em abundância.

Vila Real, 21 de fevereiro de 2023

+António Augusto de Oliveira Azevedo
Bispo de Vila Real

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