Missa Crismal

A Missa Crismal em quinta-feira santa é momento único de congregação dos presbíteros de uma diocese para, unidos ao seu Bispo, renovarem o seu compromisso sacerdotal e desta forma se disporem a celebrar mais intensa o tríduo pascal. Este ano, por força da situação excecional devida à pandemia, não é possível estarmos todos, padres e leigos, fisicamente presentes nesta Catedral, mas estamos unidos espiritualmente na mesma fé e na comum oração.

Neste dia de forte cariz sacerdotal quero, convosco, dar graças a Deus pela bênção que a vida, o testemunho e a atividade dos sacerdotes representam para o povo de Deus. Uma gratidão devida ao clero mais velho, pela sua entrega dedicada e generosa ao serviço da diocese, e muitos, apesar das limitações da idade ou saúde, dão ainda um contributo indispensável. Damos graças também pelo empenhamento e entusiasmo das novas gerações de sacerdotes, de quem a diocese tanto espera. A todos convido, neste dia, a louvarmos o Senhor pelo dom sagrado do sacerdócio, renovando o nosso compromisso de continuarmos a servir a Deus e aos irmãos com alegria e com a totalidade das nossas vidas. Aos leigos de toda a diocese quero pedir que estimem os seus padres, colaborem com eles, procurem compreendê-los nas suas fragilidades e nunca deixem de rezar por eles.

No Evangelho, Jesus na sinagoga da sua terra, depois de ler a profecia messiânica de Isaías, interpreta-a como palavra que se cumpria na sua pessoa e naquele «hoje» da história. De facto, Jesus de Nazaré, ungido pelo Espírito anunciava a boa nova aos pobres, curava os cegos e os doentes e libertava muitos oprimidos pelo mal ou pecado. Nele se cumpria a palavra; por Ele aconteciam os sinais do Reino.

Neste trecho, Jesus ao sublinhar a sua identidade e missão, remete-nos para o essencial da nossa própria natureza sacerdotal. Depois de ungidos nos sacramentos do batismo e do crisma, a unção que recebemos na ordenação sacerdotal configura-nos plena e sacramentalmente com Cristo. No ritual, após a imposição das mãos, o ordinando é ungido, num gesto acompanhado com as palavras: «O Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu pelo Espírito Santo, te guarde para santificares o povo cristão e ofereceres a Deus o sacrifício». Assim, o sacerdócio, puro dom da graça divina, pelo qual fomos chamados a seguir a Cristo, nos configura com a sua pessoa em ordem à santificação dos fiéis.

A esta luz, toda a renovação da vida sacerdotal, quer pessoal, quer geral, deverá ter sempre por referência a identidade e missão que recebemos de Cristo. O que se pede a cada um e a todos é um seguimento de Jesus como verdadeiro «discípulo missionário», é uma configuração cada vez maior da nossa vida com Ele que é Cabeça, Pastor, Servo e Esposo da sua amada Igreja. O que se espera de cada um e de todos é a fidelidade e unidade na única e mesma missão salvífica, em leal comunhão com o Bispo. Há um longo caminho a fazer, mas este é o momento para renovar a alegria de ser padre, sentir a gratificação de servir esta Igreja e reforçar o ânimo para enfrentar os novos desafios que essa missão hoje nos coloca.

Hoje é precisamente uma palavra decisiva do Evangelho. Jesus, com grande realismo, aponta para a realização da Palavra naquele hoje. Sem cairmos no absolutismo do presente, dado que no cristianismo o hoje está sempre ancorado na promessa do passado e aberto à plenitude do futuro, no entanto é fundamental ter consciência das implicações da vivência do ministério sacerdotal nas condições reais e concretas do nosso tempo.

Dando à palavra hoje um sentido mais amplo, direi que no nosso contexto, a vida dos sacerdotes carece de uma purificação evangélica para ser um verdadeiro sinal profético de que o mundo carece. Algumas situações que abalaram a confiança da opinião pública a juntar a alguns indícios de cansaço, solidão ou desânimo, recomendam a necessidade de voltar às raízes e motivações mais profundas do nosso ministério, redescobrindo a sua beleza e radicalidade. Esse dinamismo fontal suscitará uma maior espiritualidade, aquela que advém da ação do Espírito Santo que nos guia e anima e também uma maior humanidade, inspirada nos gestos profundamente humanos de Jesus nos evangelhos.

Mas o termo hoje remete-nos, com mais precisão, para o concreto do momento e da situação difícil que a humanidade está a atravessar. Como ser padre e pastor de comunidades neste contexto duro e insólito? Sem nunca pôr em causa as obrigações cívicas, somos chamados a ser criativos e efetivos no modo de manifestar o nosso apoio e proximidade às pessoas, a começar pelas mais fragilizadas e a reinventar o nosso modo de fazer pastoral, valorizando o contexto familiar. Engana-se quem pense que este é um tempo de interregno, de pausa, muito menos de férias. Pelo contrário, é um hoje em que começa a desenhar um amanhã diverso daquilo que imaginaríamos.

 Este hoje aberto ao futuro, requer uma grande capacidade de discernimento pastoral. Não sabendo ainda quando e como sairemos desta crise, no entanto vamos percebendo que muitas coisas mudarão, a começar pelo modo como olhamos para vida e para o outro. Por outro lado adivinham-se muitas dificuldades de vária ordem que exigirão conforto espiritual, solidariedade e apoio material. Para isso será indispensável um presbitério unido, capaz de criatividade, entreajuda e partilha e serão necessárias comunidades cristãs mais pascais, vivas e solidárias.

Nesta celebração, dando graças a Deus pelo dom do sacerdócio, peçamos-lhe que nos ajude a celebrar esta Páscoa com mais interioridade e profundidade. Que ela reforce a nossa confiança e comunhão com Aquele que foi trespassado na Cruz, mas está sempre connosco porque é o Alfa e Ómega da história.

9 de Abril de 2020

+António Augusto Azevedo

Bispo de Vila Real

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