«O Verbo era a luz verdadeira que, vindo ao mundo ilumina todo o homem». O Evangelho desta celebração de Natal, apresenta assim o significado do nascimento de Jesus em Belém há mais de dois mil anos. Ele é o Filho de Deus, nascido de Maria, enviado ao mundo como o Verbo e a Luz. É n’Ele e por Ele que Deus fala. A sua Vida, assumindo a carne humana, enche de luz as nossas vidas.
O nascimento de Jesus é a mais bela e a mais importante das histórias. No presépio contemplamos a maravilha e o encanto de uma mãe, Maria, que dá à luz o seu filho, a preocupação de um pai, São José, que cuida da jovem mãe e do filho, a surpresa dos pobres pastores que acorrem a saudar a criança; a presença simpática dos animais, expressão das criaturas gratas ao criador. Nesta simplicidade e pobreza tem lugar o acontecimento maior, mais central e transformador da história.
Desta forma, tão simples e humana, Deus fala para dizer o essencial: com a encarnação do seu Filho, Ele fica connosco, habita entre nós e assim cumpre as suas promessas de não esquecer nem abandonar o seu povo. Desta forma, tão simples e humana, Deus enche a história de uma nova luz, a certeza de que ela não está dominada por quaisquer tipo de forças ou determinismos, mas tem a marca do amor de Deus e é território onde se conjugam a liberdade divina e a liberdade humana.
Celebrar o Natal é acolher esta luz que brilha para todos e quer iluminar a todos. Ela brilha na humanidade de Jesus em que, na fragilidade de um recém nascido, resplandece a glória da divindade. O Deus que nunca ninguém viu, revelou o seu rosto em Jesus.
Como adverte o Evangelho, o mundo pode não O conhecer ou não querer recebê-lO. Ontem como hoje, muitos estão absorvidos nos seus compromissos ou preocupações, alguns têm prioridades e opções diversas. Como cristãos, somos convidados a receber com alegria a luz do céu para que nos ilumine e chegue a todos à nossa volta.
Aquela luz que veio ao mundo precisa de ser reconhecida e acolhida. Precisa de ser reconhecida pelo nosso olhar e acolhida nos corações. Só assim poderá iluminar o nosso caminho pessoal com a certeza de que não estamos sós nem esquecidos. Precisa de ser acolhida pelos povos que andam mergulhados nas trevas da guerra, da opressão e da miséria, para que reencontrem o caminho da paz e da liberdade. A todo aquele que acolhe essa luz brilha no seu rosto, mais claramente, a dignidade de filho de Deus e desaparecem os sinais de sofrimento e tristeza. Guiados por ela, o futuro tem a marca da esperança e não de um túnel escuro que suscita medo e angústia.
Iluminados pelo Menino que nasceu em Belém poderemos ver e perceber melhor a realidade em que vivemos. A todos nós que fazemos parte de uma sociedade em que quase tudo é transformado em espetáculo, em que cresce o espaço da realidade virtual, realidade efémera e sem substância, é pedida uma atenção redobrada à autêntica realidade. Quando a realidade é demasiado mediatizada requere-se um esforço maior para não descolar da realidade patente no rosto de cada pessoa, ou a que vive escondida em cada coração; a das histórias pessoais e familiares que conhecemos e testemunhamos.
A luz que nasceu em Belém é luz de vida. Ela ajuda-nos a reconhecer tantos dramas humanos desvalorizados e compromete-nos com uma causa prioritária que é a da criação de condições para que as mães possam dar à luz os seus filhos. Celebrar o Natal, fazendo memória das circunstâncias em que Maria e São José acolheram o Menino, deveria levar-nos a uma nova atitude e compromisso perante a vida. Concretamente, deveria mobilizar a sociedade para apoiar os jovens casais para que possam realizar os seus projetos de vida, acedendo à habitação, a emprego digno e estável, e sobretudo a terem a possibilidade de formar uma família com filhos.
A luz que nasceu em Belém é também luz de Paz. No presépio está Aquele que Deus enviou como Mensageiro e Príncipe da Paz. Neste tempo em tantos povos vivem mergulhados em guerras, em que é preocupante o clima de tensão e polarização nas nossas sociedades, a mensagem que Deus nos envia é de apelo à paz. Para isso é preciso aprender daquele que sendo o Todo Poderoso se fez homem, abdicando do seu poder e aparecendo na fragilidade do corpo de uma criança. Que essa luz ilumine os que se julgam senhores dos povos e donos do mundo e os converta à paz. Que o Menino de Belém converta os corações de todos para descobrirem que a guerra só gera destruição e sofrimento e nega o futuro sobretudo às crianças e aos mais jovens.
A luz que nasceu em Belém é luz de fraternidade. «Aqueles que o receberam e acreditaram no seu nome deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus», proclamava o Evangelho de hoje. Por isso o Menino que nasceu no meio da pobreza convida-nos a olhar com mais atenção para os mais pobres, os sem-abrigo, os que estão sós ou nas periferias da sociedade. Um olhar preocupado com o facto de se acentuarem os privilégios de alguns com acesso ao poder e aos media, em contraste com o manto de silêncio e indiferença face à situação de muitos outros, reduzidos a meros números nas estatísticas. A luz do Natal aquece os nossos corações com um forte sentimento de fraternidade. Se Jesus quis ser nosso irmão, aprendamos a olhar o rosto do outro como nosso irmão. Saibamos respeitá-lo, acolhê-lo e conviver com ele como nosso irmão, independentemente da sua condição, raça ou cultura.
A celebração do Natal recorda-nos o nascimento de Jesus mas a todos nós que o recebemos abre a possibilidade de «nascer de Deus». Que a vivência desta festa, acolhendo a luz que nasceu em Belém, luz de vida, de paz e fraternidade, ajude cada um a sentir uma presença mais forte de Deus na sua vida que torne possível esse renascimento espiritual.
Um Santo Natal para todos!
Vila Real, 25 de dezembro de 2023
+António Augusto de Oliveira Azevedo
Bispo de Vila Real