A Páscoa é o momento que ilumina toda a história e dá um sentido novo, uma claridade maior, ao passado e ao porvir. A ressurreição de Jesus é o acontecimento decisivo em que Deus realiza a sua promessa de salvação da humanidade. Por isso o seu efeito é igualmente essencial para entendermos melhor o nosso presente como pessoas e como crentes.
O Evangelho que escutamos nesta manhã pascal, ao relatar-nos como a pedra estava rodada e o sepulcro vazio, dá o primeiro indício de que algo muito especial teria sucedido. Aquele sobressalto inicial será confirmado com as posteriores aparições de Jesus Ressuscitado, atestando que depois de tantos padecimentos, da morte na cruz e da sepultura, tinha ressuscitado dos mortos.
O texto destaca como os intervenientes daquela manhã: Maria Madalena, Pedro e o outro discípulo, viveram a vertigem daqueles acontecimentos. Todos tinham um caminho feito ao lado de Jesus, em todos Ele deixara uma forte marca. Apesar disso, estavam longe de imaginar o que aquela manhã traria de novo. Depois de uma corrida ao sepulcro, o discípulo admite que «viu e acreditou». Esta expressão essencial do texto, é de imediato justificada por outra: «ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos». Só então o discípulo chegara àquela visão da fé que permitia entender todas as coisas de forma diferente, ou seja, à luz do plano de Deus e da sua palavra.
Nesta perspetiva a celebração da Páscoa para o cristão representa muito mais do que a evocação de acontecimentos passados, a recordação de uma história bonita. A Páscoa importa para o hoje porque nos dá fundamento para afirmar a fé de que o Ressuscitado está agora presente no meio de nós, está vivo para sempre. Nesse sentido a fé não se limita à mera repetição de palavras ou de ritos mas, precisa, cada vez mais, de estar alicerçada na descoberta de Cristo Ressuscitado, no encontro com Cristo vivo. Para isso, como Madalena e os discípulos, é preciso ir, buscar, deixar-se surpreender.
Mais do que qualquer outra, a Páscoa é a grande festa da nossa fé. De uma fé pascal, viva, experimentada, que faz vibrar o coração e o enche de alegria. Uma fé que não pode, por isso, ser reduzida a um conjunto de ideias, a simples regras morais, ou a uma herança (ou verniz) cultural. A fé cristã é pascal, é encontro vivo com o Ressuscitado, implica mergulhar na vida nova a que Cristo nos convida. Essa vida é própria de quem se sente salvo, de quem sabe que na Páscoa se abriu para toda a humanidade a porta da salvação, da glória e da eternidade.
O movimento mais importante que o evangelho de hoje refere é o de ir ao túmulo onde se pode verificar a ausência do corpo daquele que tinha sido sepultado mas voltara à vida. Significativamente o Evangelho acrescenta que Maria Madalena vai comunicar essa notícia aos discípulos. Algum tempo mais tarde, no discurso em casa de Cornélio, Pedro dirá: «Deus ressuscitou a Jesus e permitiu-lhe manifestar-se às testemunhas de antemão designadas, a nós que comemos e bebemos com Ele depois de ressuscitar dos mortos». Aqueles e aquelas que primeiro acolheram a boa nova pascal, reconheceram imediatamente a sua nova condição de testemunhas. O seu caminho com Jesus já não era só uma coisa do passado, mas com a ressurreição abria-se um caminho novo. O mais importante passava a ser o anúncio daqueles acontecimentos que não podiam ser escondidos, calados, guardados para si ou caídos no esquecimento.
Nas celebrações pascais somos convidados a fazer a renovação das promessas batismais. Este convite constitui também um desafio a reconhecermos o valor da fé e a nossa condição de testemunhas. Ter fé ou ser cristão nos nossos dias implica não só afirmá-la de forma consciente e convicta, como também testemunhá-la nas várias circunstâncias da vida. O testemunho dessa fé pascal pode ser traduzido pela expressão paulina: «afeiçoar-se às coisas do alto». De facto a ressurreição de Jesus impele-nos, além de muitas outras coisas, a aspirar mais longe e mais alto, a não nos resignarmos à lógica do mundo, a não nos acomodarmos ao já vivido ou adquirido. A fé tem inerente uma ambição ao mais alto e valioso.
Testemunhar uma fé pascal é dar testemunho de uma vida pascal. Uma vida inspirada em Cristo vivo e por isso com as marcas da alegria, com sinais de solidariedade, disponibilidade e serviço aos irmãos, de compromisso com os valores da bondade, da verdade e da justiça. Uma vida que não se reduz, por isso, à mera gestão do presente e dos interesses pessoais ou de grupo mas aceita o desafio de que há sempre um caminho novo à nossa frente e o melhor é, sem dúvida, aquele que conduz ao alto.
A vivência das festas pascais, além de favorecer um renovado encontro com Cristo Ressuscitado e despertar-nos para a urgência do testemunho, constitui ainda ocasião para uma ligação mais forte à comunidade cristã. Pedro e os demais discípulos pareciam derrotados, descrentes e dispersos depois da morte de Jesus. Mas a notícia da ressurreição voltou a congregá-los naquela comunidade onde o Cristo Ressuscitado se manifestará e a quem enviará o seu Espírito.
Viver hoje a Páscoa significa também reencontrar-se com a família dos discípulos, a comunidade dos batizados, a Igreja. Viver hoje a Páscoa significa alimentar a convicção de que a Igreja, iluminada pelo Espírito de Cristo, saberá superar esta (e todas) crise, operando uma verdadeira renovação que a torne uma comunidade mais viva, mais fraterna, mais pascal.
Viver hoje a Páscoa significa aderir ao sonho de Deus que deseja uma vida mais plena para todos os seus filhos e que não se deixem vencer pelo mal, pela mentira, pelo ódio ou pela guerra, não se deixem abater pelo sofrimento ou pelos sinais de morte. Esses não têm a última palavra porque Jesus Ressuscitado venceu a morte e está connosco para nos dar vida em abundância. Saibamos acolhê-la, vivê-la e testemunhá-la.
Santa e Feliz Páscoa para todos.
Vila Real, 9 de abril de 2023
+António Augusto de Oliveira Azevedo
Bispo de Vila Real