A solenidade do Corpo e Sangue de Cristo que a Igreja hoje celebra é um dia festivo para que os cristãos possam reconhecer e dar graças pelo tesouro sagrado que representa a presença real de Jesus no sinal eucarístico do pão e do vinho. A participação neste sacramento que se renova em cada domingo (ou em cada dia), não pode ceder ao risco de se desgastar ou perder valor por força da repetição. Pelo contrário, cada vez que fazemos memória da entrega de Jesus na cruz para nossa salvação, deve crescer a nossa veneração e intensificar-se o nosso louvor.
A eucaristia é, sem dúvida, a tradição mais antiga, mais bela e importante da vida da Igreja. Aquela tradição que São Paulo recebeu e que nos transmitiu descrevendo os gestos e palavras de Jesus na última ceia, constitui o modelo e referência daquilo que os cristãos continuaram a fazer ao longo dos séculos. De facto, em cada eucaristia repetimos o que Jesus fez e disse, não só como memória do passado mas com a certeza de que todas as vezes que o fazemos se atualiza a presença do Senhor e se renovam os efeitos salvíficos da sua Páscoa. Trata-se, portanto, de uma tradição viva, de algo que sendo antigo é sempre novo. Tradição viva, presença real e atual de Jesus no meio do seu povo, é este o significado único da eucaristia, a riqueza insuperável do seu mistério sacramental.
Todas as vezes que tomamos o pão e o cálice, anunciamos a morte do Senhor até que Ele venha, conclui o apóstolo. Desta forma, receber o corpo do Senhor não só nos une à sua Páscoa mas abre horizontes de um futuro marcado pela esperança da salvação plena que o Senhor nos trará. A comunhão do corpo e do sangue de Cristo no nosso presente é o grande alimento da nossa esperança. A sua presença sacramental na vida pessoal e eclesial reforça a nossa consciência de sermos «peregrinos de esperança», renova as nossas forças para continuar a anunciar ao mundo que Ele veio mas virá também no final dos tempos. O Senhor não deixou sós mas continua a alimentar-nos ao longo do caminho. O seu corpo é o verdadeiro alimento de vida eterna.
Nas leituras bíblicas, próprias da liturgia desta solenidade uma palavra adquire um especial destaque: DAR. Logo no relato do Génesis, Melquisedec dá a Abraão pão e vinho e este, por sua vez, «deu-lhe a dízima de tudo». Uma troca de dons, como sinal de reconhecimento, de hospitalidade, de benção e partilha. A vida em sociedade é marcada permanentemente pela troca de dons. Dos mais básicos, essenciais à vida, a outros mais elaborados que exprimem valores e sentimentos mais profundos, essa troca de dons manifesta o reconhecimento de que precisamos uns dos outros, de que a vida social é feita de partilha de bens. Apesar da complexidade da vida económica de hoje, não podemos esquecer o significado dos gestos simples e próximos de dádiva e partilha. Não se pode reduzir tudo ao lucro, ao interesse ou ao negócio. Antes e acima de tudo isso, o dom reveste-se de grande valor humano e religioso.
No relato do evangelho, Jesus começa por instar os discípulos a darem de comer àquela multidão faminta. Manifestava assim que o discípulo não pode ser indiferente à situação de carência do outro. A sorte do faminto, do pobre ou doente exige sempre que mobilizemos vontades e meios para o socorrer. Á nossa volta ou em várias partes do mundo, tantos dramas poderiam ser atenuados ou resolvidos, se a lógica da ganância ou do ódio fosse superada pela compaixão. Mais adiante, depois de tomar os cinco pães e os dois peixes, pronunciar a benção, Jesus deu-os aos discípulos para os distribuírem. As palavras e gestos de benção de Jesus operaram uma verdadeira multiplicação de alimentos que saciaram plenamente a multidão e ainda sobraram.
Este quadro evangélico traduz de forma muito bela que Deus enche a humanidade de muitos dons; que da natureza, por Ele criada, podemos obter os bens essenciais para a subsistência de todos; que com o trabalho e engenho humanos e uma justa distribuição, todos teriam o necessário para comer e viver dignamente. Mas este quadro é também imagem profética da multidão de crentes que, ao longo dos séculos, foi saciada com o alimento espiritual do Pão eucarístico, o Corpo de Cristo.
De facto, na última ceia, é o próprio Cristo que se dá, que se faz dom pleno na vida entregue, no corpo oferecido e no sangue derramado para selar a nova aliança, para consumar a salvação de todos. Esse corpo é o pão que partimos e distribuímos em cada eucaristia; essa vida é aquela que recebemos em comunhão. Ao fazermos memória desse gesto de Jesus manifestamos a vontade de tomar parte na nova aliança, na Páscoa de Cristo. Por isso a comunhão não é um mero gesto devocional ou individual, é acima de tudo um sinal de fé, um gesto sagrado em que recebemos o próprio Cristo, fazemos da sua vida a nossa vida, para que cada um seja também dom para os outros.
A nossa participação em cada eucaristia aprofunda em nós os valores de uma cultura do dom e da partilha, exercita e renova a nossa condição de comunidade de discípulos que mantém viva a memória de Jesus Ressuscitado. Damos graças a Deus por ter ficado connosco no sinal do pão eucarístico e de alimentar a nossa fé e a nossa esperança, sobretudo em momentos mais delicados.
Pedimos ao Senhor que nesta cidade, em tantos lugares da diocese e do mundo, a procissão do Corpo de Deus em que o Santíssimo Sacramento é levado solenemente por várias ruas, seja um sinal de benção e proteção. Pedimos que santifique todos os sacerdotes e todos os que tomam parte dos vários ministérios, serviços e funções da eucaristia, para que o façam sempre com fé e dignidade. Pedimos ainda por todos os cristãos que não participam na eucaristia e também por tantos sobretudo crianças e adultos, que se preparam para nela participar plenamente, para que todos descubram este grande tesouro nas suas vidas.
Alimentados pelo Corpo de Cristo, cheios do seu Espírito, continuemos a caminhar como peregrinos de esperança, anunciando ao mundo a boa nova da salvação, da vida e da paz.
Vila Real, 19 de junho de 2025
+António Augusto de Oliveira Azevedo
Diocese de Vila Real Diocese de Vila Real