Homilia – Santa Maria, Mãe de Deus

«Maria conservava todos estes acontecimentos,
meditando-os em seu coração».

Neste primeiro dia do novo ano, a liturgia desta solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus convida-nos em primeiro lugar a olhar para o coração maternal de Maria e a sentirmo-nos acolhidos por ele. Aquela que deu ao mundo o Filho de Deus, viveu aqueles momentos de forma serena, silenciosa e profunda. No meio da simplicidade de meios que o presépio exibia e da agitação que os pastores vieram trazer, Maria tudo testemunhava e guardava no coração como só uma mãe sabe fazer.

        Na alegria simples e autêntica deste Natal, continuamos a dar graças a Deus pelo dom do seu Filho, sem esquecer de estar gratos por termos recebido tal mãe. Ela soube acolher o seu filho, com o apoio de São José, aceitou a aventura de receber e acompanhar aquele filho que prometia ser um grande sinal de Deus. Por isso, desde o início esteve sempre a seu lado e guardou no coração cada gesto, cada palavra que dele recebia. Esta é a mais importante lição que podemos aprender de Maria: acolher no mais íntimo de nós a pessoa de Jesus Cristo e guardar no coração as palavras que Ele nos deixou e aquelas que ao longo da vida nos vai inspirando. Desta forma, a fé será mais autêntica e forte porque vem de dentro, está ancorada no coração. Vivamos com fé cada momento deste ano.

        Na tradição cristã, a Mãe de Deus é também aquela que, nas situações mais difíceis, nas tempestades da vida ou da história, abriga sob o seu manto protetor os seus filhos. Acreditamos que aquela que amparou o menino no presépio de Belém, também nos protege no meio das aflições da vida. Por isso, ao iniciarmos o novo ano ainda envolvidos numa pandemia, queremos confiar-nos à proteção de Maria, Mãe de Deus, para que ao longo do ano a todos nos guarde e ampare.

        Neste primeiro dia do ano, partilho com todos vós e faço meus os votos do Papa Francisco de que «em 2021 a humanidade progrida no caminho da fraternidade, da justiça e da paz entre pessoas, comunidades, povos e Estados».

A evolução no caminho da fraternidade só é possível na medida em que crescer em nós a consciência de que somos filhos de Deus. Segundo São Paulo, já não somos escravos, mas recebemos o Espírito do Filho que nos liberta e nos torna herdeiros. Acima dos sonhos, projetos e objetivos que temos para este ano, desejaria que cada um, homem ou mulher, jovem ou adulto, tivesse este grande propósito: assumir e viver de acordo com a sua condição de filho de Deus e dessa forma olhar, respeitar a amar o outro, quem quer que seja, como seu irmão. Um propósito que não se reduza a um ideal genérico, vazio ou inconsequente, mas que se traduza em gestos concretos do nosso quotidiano.

        Neste dia que é também Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco, olhando para os acontecimentos que marcaram o caminho da humanidade no ano que findou, lembra que «nos ensinam a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade». Por isso, propõe «a cultura do cuidado como percurso de paz». Esta cultura do cuidado poderá «erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer».

        Esta proposta tão forte e inspiradora do Santo Padre tem presente e sublinha a entrega dedicada e incansável de tantos cuidadores, nos hospitais, lares e outras instituições, nas próprias famílias. Um trabalho nem sempre reconhecido, mas que merece ser mais valorizado e apoiado. A sociedade precisa de dar um novo impulso à cultura do cuidado, fundada no respeito e na responsabilidade pelo outro. De outra forma, estaremos a dar espaço a todas as formas de egoísmo, discriminação, terreno fértil onde germinam ódios e conflitos.

        O crente encontra a razão maior desta cultura na fé num Deus Criador do universo que nos mandou cuidar da criação e cuidar também do nosso irmão. Um Deus que na encarnação de Jesus Cristo veio ao meio da humanidade cuidar de tantas feridas no corpo ou no espírito que ela padecia. Ele que ensinou ainda aos seus seguidores as obras de misericórdia como o exercício concreto do cuidado pelo próximo.

        A promoção de uma cultura do cuidado como caminho para a paz exige que na consciência de cada um e de todos estejam claros e assumidos alguns princípios basilares: o da defesa da dignidade de cada pessoa; a busca do bem comum acima de interesses pessoais ou de grupo; a solidariedade como manifestação da responsabilidade concreta pelo outro; a necessidade de salvaguardar a sustentabilidade do planeta.

        Uma sociedade livre, plural e aberta não se constrói sem um consenso à volta destes valores que podem ser uma verdadeira bússola na demanda de um futuro de paz e felicidade. De outra forma ficaremos à mercê da lei do mais forte ou da astúcia de todo o tipo de manipuladores. Estes valores que promovem a cultura do cuidado precisam, segundo o Papa, de ser transmitidos nas várias instâncias educativas: na família, na escola e também nas instituições religiosas.

        Uma cultura do cuidado carece, acima de tudo, de conversão e de compromisso. Converter o coração e mudar mentalidades é sempre o mais difícil, mas o mais decisivo. Insistir em lógicas em que só conta o lucro e não as pessoas, em que só importa o interesse egoísta e não o bem comum conduzirá a tensões e conflitos e a um mundo mais desumano. É necessário um renovado compromisso com formas de viver em que o outro conta, se presta atenção e se cuida do mais frágil ou vulnerável, em que há lugar para o idoso e para o doente. Uma cultura mais humana, onde há lugar à compaixão, uma cultura do cuidado e da responsabilidade. Só esta trará um futuro de paz para todos.       

        Estamos a iniciar um novo ano que será ainda muito difícil e que exigirá paciência e fé. Esta, em plena tempestade é útil para iluminar e conduzir até um porto seguro. Neste ano empenhemo-nos em cuidar mais de nós e dos outros, em ter comportamentos responsáveis e solidários, em mudar hábitos no sentido de respeitarem mais a vida, o outro e o planeta. Como cristãos, sabemos que o Senhor caminha connosco e confiamos que Maria, sua e nossa Mãe, nos protege e ampara.

Vila Real, 1 de janeiro de 2021

+António Augusto de Oliveira Azevedo

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