Em plena semana pascal estamos reunidos para rezar em sufrágio pelo Papa Francisco. No passado domingo, dia em que os cristãos celebravam a ressurreição de Jesus que ao terceiro dia voltou à vida, o Papa Francisco deu-nos a sua última bênção. Passados três dias, ainda pesarosos com a notícia da sua morte, estamos a celebrar a sua Páscoa, a passagem para a casa do Pai.
A morte de alguém próximo, familiar ou amigo, ou de alguém, como o Papa Francisco, que apesar da distância, sentíamos como Pai ou irmão, permite-nos olhar para a sua vida com outros olhos e reconhecer a sua dimensão. A sua partida nos dias da Páscoa sugere-nos que, acima de tudo, o Papa era um homem de Deus, profundamente crente em Jesus Cristo, um homem pascal. Precisamente, algumas das palavras chave do seu pontificado – alegria, paz, fraternidade, esperança – encontram o seu fundamento e significado mais amplo à luz da fé pascal.
A alegria, que foi um dos motes do seu pontificado e deu título ao documento programático, Evangelii Gaudium, era então apresentada como aquela alegria que «enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus» (EG,1). Esta foi a alegria que Jesus Ressuscitado nos trouxe e da qual ninguém está excluído, constituindo, por isso, mensagem e atitude essenciais do cristianismo. Sem descoberta de um Cristo vivo não há alegria plena. Este foi o Papa da alegria.
Da mesma forma, a paz de que o Papa Francisco foi arauto incansável, é dom pascal, aquele que o Ressuscitado transmitiu aos seus discípulos. A paz que inunda os corações e liberta do mal, do ódio, do ressentimento e do desejo de vingança. Infelizmente os seus apelos à paz nem sempre foram escutados, sobretudo por aqueles para quem a paz é sinónimo de imposição do mais forte, de destruição ou de rendição. Essa é a paz dos mortos. O Papa insistiu que a guerra é sinónimo de sofrimento, «é sempre uma derrota». A paz autêntica é a que brota dos corações que acreditam na vida, reconhecem o outro como pessoa e promovem o perdão e a reconciliação.
Um dos mais belos textos que o Papa Francisco nos legou foi a Fratelli Tutti, carta encíclica sobre a fraternidade e amizade social. Inspirado em Jesus que nos ensinou a rezar «Pai nosso», o Santo Padre partilhou connosco este sonho de uma humanidade mais fraterna, como «filhos da mesma terra que alberga a todos» (FT,8). Um sonho que tem esbarrado numa sociedade que, apesar dos meios sofisticados, nos torna «vizinhos mas não nos faz irmãos» (FT,12). O manancial de fraternidade que brota do evangelho e a defesa da dignidade da pessoa humana desde a conceção até à morte, deveriam constituir pilares de uma autêntica fraternidade humana. As religiões deveriam estar na linha da frente na promoção da cultura da proximidade e do diálogo, ajudando assim a evitar os riscos do individualismo e do totalitarismo.
A quarta palavra com tonalidade pascal é esperança, palavra que o Papa escolheu para título da sua autobiografia e como grande tema deste Ano Jubilar. A esperança que o movia é aquela que se baseia na Páscoa do Senhor que ressuscitando nos abriu novos horizontes de vida. Uma esperança que confia que Deus está connosco, não nos abandona à nossa sorte e prometeu que os sinais de bondade que formos semeando irão dar fruto e o joio será queimado. Foi em nome desta esperança que o Papa iniciou processos de renovação na vida da Igreja, sabendo que levarão o seu tempo, mas com paciência e empenho atingirão o seu objetivo. A sua mensagem à Igreja e ao mundo foi de incentivo permanente a não desanimar ou ter medo das dificuldades, mas esperar sempre em Deus que não desilude e confiar também no lado melhor da humanidade.
Por estes dias muito tem sido dito sobre a grande figura do Papa. Fazem-se até tentativas de lhe colocar rótulos ou sublinhar o que mais convém. O Papa Francisco foi simplesmente um grande Pastor, um grande ser humano e sobretudo um homem de fé, uma fé pascal, alegre, corajosa e desassombrada. As suas palavras sábias e os seus gestos simples encontram no evangelho a fonte de inspiração. É o caso das leituras que escutamos na liturgia de hoje que permitem destacar duas fortes marcas do seu pontificado.
O relato dos Atos dos Apóstolos em que Pedro e João curam um homem coxo à porta do templo, ajuda-nos a reconhecer que o Papa, como sucessor de Pedro, teve uma particular atenção para com os mais pobres e desvalidos. Ensinou-nos por palavras e gestos a não cair na indiferença, mas sermos capazes de nos aproximar e dar a mão aquele que precisa. Também ele não levava ouro ou prata, mas o amor e a compaixão em nome de Jesus. Assim aconteceu com tantos presos, migrantes, idosos, doentes ou incapacitados, a quem levou gestos de carinho e palavras de ânimo e ternura. Ir ao encontro de todos e ajudar a levantar os que jazem na beira do caminho, foi sem dúvida uma caraterística da missão do Papa, um testemunho que nos enche de admiração e assombro.
Por outro lado, à luz do relato evangélico dos discípulos de Emaús, nós tomamos consciência de que o Papa olhava para a Igreja (e para a humanidade) como povo em caminho, povo de peregrinos. Os discípulos de Emaús acolheram aquele novo companheiro que os escutou, alargou a mente e aqueceu o coração com a palavra da Escritura e abriu o olhar ao partir do pão. Era o próprio Senhor Ressuscitado que estava com eles e ajudou a fazer o caminho de regresso a Jerusalém, agora cheios da alegria da fé. Da mesma forma o Papa, como Pastor sábio nos incentivou a caminhar juntos, sem nos deixarmos vencer pelo cansaço ou pela divisão. O processo sinodal, causa importante da última fase do seu pontificado, além de um exercício muito real de escuta, é um estímulo forte para todo o Povo de Deus caminhe no sentido de uma autêntica renovação. Os frutos deste processo serão colhidos pelas próximas gerações. Mas o empenho do Papa no processo sinodal foi demonstração de que nunca desistiu do ímpeto renovador gerado pelo Concílio Vaticano II que mobilizou a muitos da sua geração.
Esta celebração manifesta a nossa ação de graças a Deus por ter dado à Igreja e ao mundo o Papa Francisco. A oração que hoje nos une é de reconhecimento e gratidão por tudo o que ele nos ensinou e pelas marcas fortes que deixou nas nossas vidas. Nestes dias, cada pessoa, jovem ou mais velho, sacerdote ou leigo, evocará alguma palavra que o ajudou na sua vida ou gesto que mais o impressionou. São memórias que ficarão gravadas para sempre nos nossos corações e continuarão a iluminar o nosso caminho.
Na hora da despedida de um Papa que incentivou os jovens e também os mais velhos a não desistirem dos seus sonhos, o nosso melhor tributo é o continuar a fazer nosso e tentar concretizar alguns dos sonhos deste Papa: o sonho de uma Igreja missionária, acolhedora, fiel ao evangelho, rica de amor e misericórdia; o sonho de uma humanidade fraterna, justa e livre; o sonho de um mundo como casa que Deus deu a todos.
Junto do Pai do céu, com Jesus Ressuscitado, que o Papa Francisco seja intercessor pelo seu povo e modelo dos pastores da Igreja. Obrigado Papa Francisco.
Vila Real, 23 de abril de 2025
+António Augusto de Oliveira Azevedo