A Igreja diocesana de Vila Real vive hoje um dia histórico com a ordenação episcopal de D. Sérgio Dinis, membro deste presbitério. Este é também um acontecimento de especial significado para o Ordinariato Castrense em Portugal e para a Conferência Episcopal que recebe um novo membro.
Esta celebração é, antes de mais, expressão da nossa gratidão a Deus que chama pastores para os pastores de que o seu povo precisa. Manifesta ainda a nossa profunda comunhão com o Papa Francisco que confiou a D. Sérgio uma nova e importante missão na Igreja. A escolha de alguém para servir a Igreja em qualquer lugar ou grau do ministério tem sempre algo de surpreendente e de misterioso. Mas a sua explicação decisiva encontra-se no mistério do amor de Deus que na sua infinita liberdade convoca e desafia a nossa liberdade. Foi assim com os Doze e continua com os seus sucessores. Também hoje, D. Sérgio, chamado por Deus Pai, é configurado com a missão do Filho e ungido com a força do Espírito Santo, tudo isto com a mediação da Igreja.
Neste Domingo da Palavra de Deus, o evangelho relata-nos o episódio em que Jesus na sinagoga de Nazaré, lê, interpreta e atualiza as sagradas escrituras. Logo no início da sua missão Jesus apresenta-se como aquele que vem anunciar a Boa Nova. Mais tarde, após a Páscoa, também os apóstolos reconheceram que a sua missão primordial era a da proclamação e ensino da Palavra de Deus. Como sucessor dos apóstolos, o Bispo é, em primeiro lugar, mestre e arauto da Palavra de Deus. O dever de anunciar o Evangelho, dizendo respeito a toda a Igreja, é primordial responsabilidade do Bispo. Por isso, num dos momentos mais significativos do rito de ordenação é imposto o evangeliário aberto sobre a cabeça do Bispo, mostrando assim que a Palavra de Deus que é Cristo o envolve, constituindo-o verdadeiramente seu guardião, defensor e testemunha.
A autoridade do Bispo no anúncio da Palavra, além de ministerial deve ser espiritual. Nesse sentido, Orígenes dizia que: «Duas são as atividades do Pontífice (Bispo): ou aprender de Deus, lendo as escrituras divinas e meditando-as repetidamente ou ensinar o povo. Mas ensine aquilo que ele mesmo aprendeu de Deus» (PG 12, 474). A escuta atenta e orante da Palavra é a fonte indispensável para um ensino mais rico e uma sementeira mais produtiva da Palavra de Deus no coração dos crentes. De facto a renovação da vida eclesial que urge fazer deverá partir da redescoberta da beleza da Palavra, do seu encanto e novidade. Este desiderato é ainda mais desafiante no atual contexto cultural em que a Palavra de Deus é desconhecida por muitos e desvalorizada por outros. Num espaço público hiperinflacionado de palavras, mensagens, sons e ruído, percebe-se paradoxalmente alguma resistência ao ecoar desta palavra mas também alguma curiosidade.
Estes tempos requerem, por isso, mais ousadia e criatividade de bispos e padres mas também de leigos, sobretudo os jovens, na tarefa de levar a Palavra de Deus a tocar os corações dos homens e mulheres de hoje. Como no tempo de Esdras e Neemias há uma multidão, agora em novas praças e areópagos, a precisar de reencontrar o tesouro da Palavra de Deus, verdadeira fonte da sabedoria, farol que ilumina os nossos passos em tempos de incertezas.
Na introdução ao seu evangelho, São Lucas, para fundamentar a veracidade dos seus relatos remete para aqueles que foram «testemunhas oculares» e «ministros da Palavra». Na missão do Bispo e daqueles que anunciam a Palavra, é decisivo que a sua vida dê testemunho daquilo que pregam. Da mesma forma que em Jesus se cumpria a Palavra, também aquele que é enviado em seu nome é chamado a ser modelo do discípulo, testemunha viva da palavra dita.
Em período pós-sinodal, importa recordar que o primeiro sínodo deste século (2001) teve como título programático: «Bispo, servidor do Evangelho de Cristo para a esperança do mundo». No documento final afirmava-se que «compete ao Bispo a tarefa de ser profeta, testemunha e servo da esperança» (nº3). Passados 25 anos e em pleno ano jubilar a esperança é uma virtude teologal que deve preencher o coração de um bispo para a poder levar a tantos lugares que dela carecem, a tantas pessoas mergulhados no sofrimento ou no desânimo. A Palavra de Deus é geradora de esperança e de libertação. Ela proclama que a nossa esperança é Cristo, a sua cruz e a sua ressurreição.
O Bispo, anunciador da palavra e testemunha da esperança assume ainda um papel fundamental na edificação do Corpo de Cristo, de que nos falava São Paulo. Fundamental mas não exclusivo. Ele é sinal de comunhão, contribuindo para que este corpo que é a Igreja tenha mais vida e funcione mais sadia e harmoniosamente. Para isso é indispensável que cada um dos batizados assuma responsável e ativamente a sua função.
Na ordenação o Bispo é ungido para depois ungir o seu povo, para levar a boa nova aos pobres. Uma boa nova que proclama a paz e salvação que vêm de Deus. Uma boa nova que é sempre libertadora, que fala daquela liberdade plena que só Espírito concede aos oprimidos. É esse mesmo Espírito que opera o milagre permanente de fazer da diversidade de pessoas um só corpo, da diversidade de instrumentos uma orquestra afinada.
Ao novo bispo e a todos nós, bispos da igreja, é dirigido o apelo do último sínodo: «Quem é ordenado bispo não recebe prerrogativas e tarefas que deve desempenhar sozinho. Pelo contrário, recebe a graça e a tarefa de reconhecer, discernir e compôr em unidade os dons que o Espírito derrama sobre as pessoas e as comunidades, trabalhando, dentro do vínculo sacramental com os Presbíteros e os Diáconos que com ele são pelo serviço ministerial na Igreja local» (DF, 69).
A este apelo em ordem a um estilo mais sinodal no exercício do ministério, acrescento um conselho sábio, dos muitos que nos deixou São Bartolomeu dos Mártires que foi bispo na nossa região. Depois de advertir para as dificuldades do múnus episcopal, escreveu no célebre livro Estímulo dos Pastores: «Aprendei que deveis ser mães e não senhores dos vossos súbditos; procurai antes ser amados do que temidos. Se tiverdes de usar de rigor que seja paternalmente e não despoticamente. Mostrai-vos mães no carinho e pais na correção» (p.130).
Caro D. Sérgio, ao longo dos anos foram muito os homens (e mais recentemente também mulheres) da nossa região que serviram o país nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança. Foram também vários os capelães militares que aí exerceram atividade pastoral e agora é o segundo membro deste presbitério diocesano que é escolhido para Ordinário Castrense. É um grande serviço à Igreja e ao país para o qual lhe desejo como irmão as maiores venturas.
Peço que Deus lhe conceda a sua graça para um exercício fecundo e feliz do ministério episcopal. Ele pede-nos muito mas nunca nos falta com as graças necessárias para a missão. Invoco Maria, Rainha dos Apóstolos e Nossa Senhora da Conceição, que no Cenáculo sustentou os Onze com a sua oração, para que nunca lhe falte com a sua proteção maternal
Vila Real, 26 de janeiro de 2025
+António Augusto de Oliveira Azevedo