“D. Manuel Vieira de Matos, pai da Diocese de Vila Real” é o título do livro da autoria do Pe Jorge Fernandes que foi apresentado no passado dia 22 de março no auditório municipal do Peso da Régua. O título da obra refere-se ao título que foi dado a D. Manuel pelo primeiro bispo da nova diocese, fundada há cem anos, D. João Evangelista de lima Vidal, e realça o papel fundador que teve na criação da nova diocese.
A data escolhida para a apresentação coincide com o aniversário do nascimento deste ilustre duriense, natural de Poiares, concelho do Peso da Régua, onde nasceu a 22 de março de 1861.
Este livro resulta da paixão e do trabalho de investigação histórica do Pe Jorge Rosa Fernandes, pároco no Arciprestado da Terra Quente, no concelho de Valpaços.
A apresentação da obra coube ao cónego João Carlos Costa Morgado, do clero da vizinha diocese de Lamego, cuja presença neste dia no Peso da Régua reforçou os laços entre as duas dioceses “irmãs”. De facto, as paróquias dos concelhos de Alijó, de Mesão Frio, de Murça, de Peso da Régua, de Sabrosa, de Santa Marta de Penaguião e também Abaças e Guiães do concelho de Vila Real, no total de 71 paróquias, em 1922, passaram da diocese de Lamego para integrar a nova diocese de Vila Real.
“D. Manuel Vieira de Matos, pai da Diocese de Vila Real” vem ajudar a perpetuar as raízes duma diocese ainda jovem, a melhor conhecer a sua história e a fazer memória do legado dos seus principais protagonistas.
A diocese de Vila Real comemora no próximo dia 20 de abril os 100 anos da sua criação e o lema escolhido para as comemorações é “crescer com raízes”.
P. João Curralejo
D. Manuel Vieira de Matos,
Pai da Diocese de Vila Real,
Padre Jorge Fernandes
Régua 22 de março de 2022
Apresentação
A obra que hoje se apresenta “D. Manuel Vieira de Matos, Pai da Diocese de Vila Real” ficará como um marco importante das celebrações jubilares do Centenário desta diocese transmontano-duriense.
O Título de Pai da Diocese de Vila Real é dado pelo primeiro bispo desta Diocese, D. João Evangelista de Lima Vidal, que a ele se refere assim: “…o nosso Arcebispo e Senhor D. Manuel Vieira de Matos. Esse, esse é mais do que um amigo e um benfeitor da nova Diocese de Vila Real; até certo ponto ele é e deve ser considerado como o seu Pai e o seu Fundador”. Como se pode ler na página 24 deste livro.
D. João de Lima Vidal foi também o primeiro Superior Geral da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, hoje Sociedade Missionária da Boa Nova. Quer esta, quer a Diocese de Vila Real, surgiram da clarividência e enérgica vontade do Papa Pio XI que, por conseguinte, também podemos chamar, a justo título, Pai e Fundador.
Reveste-se de todo o sentido que esta primeira apresentação se faça na Régua, pois se homenageia um ilustre filho deste Concelho de Peso da Régua, onde nasceu neste dia, 22 de março, do ano de 1861.
Por coincidência, coube-me a mim, sacerdote do Presbitério da Diocese de Lamego, estar convosco nesta tarde, neste ato solene que sublinha a relação de D. Manuel Vieira de Matos com Lamego e a ligação histórica e afetiva das duas dioceses irmãs e vizinhas. Com efeito, D. Manuel fez a sua instrução primária em Lamego, seguindo depois para o Seminário de Braga onde concluiu o curso de Teologia.
Em 1881, o Papa Leão XIII pela Bula “Gravissimum Christi Ecclesiam regendi et gubernandi múnus” faz uma reestruturação das dioceses em Portugal. Por carta régia de 1882, no distrito de Vila Real, passaram da arquidiocese de Braga para a diocese de Lamego as paróquias dos concelhos de Alijó, de Mesão Frio, de Murça, de Peso da Régua, de Sabrosa, de Santa Marta de Penaguião e também Abaças e Guiães do concelho de Vila Real. No total são 71 paróquias que, depois, em 1922, irão passar da Diocese de Lamego para integrar a nova Diocese de Vila Real.
Foi assim, por a sua terra natal ter sido incorporada na diocese de Lamego, que D. Manuel passa a exercer funções de professor no Seminário de Lamego, ainda antes da ordenação de Presbítero que ocorreu a 22 de setembro de 1883, em Lamego, pela imposição das mãos do bispo D. António Trindade de Vasconcelos Pereira de Melo.
O Douro deve continuar a ser uma ponte mais que uma fronteira. O rio une-nos geograficamente e identitariamente.
Felicito, pois, o Município de Peso da Régua pelo apoio na edição deste livro que põe em relevo este homem do Douro, que aqui nasceu para a vida e que aqui veio renascer nos momentos mais difíceis da sua vida. Com efeito, aqui se acolhe quando é exilado da sua Diocese da Guarda, em inícios de 1912. Em Poiares da Régua, junto da sua mãe. E é com a beleza do Douro e o conforto materno que, destas terras benditas, vai enviar cartas de protesto pelos desmandos da Primeira República, dirigidas ao Presidente da República Manuel de Arriaga, mas também cartas pastorais aos seus diocesanos, e, nisto, como escreve o Padre Jorge Fernandes: “Recorda o exemplo dos Apóstolos que, frequentemente, das prisões em que os mantinham encarcerados, dirigiam aos cristãos cartas de conforto nas perseguições, de encorajamento e de instrução da fé. Também ele segue o seu exemplo e, embora longe, assim deseja acompanhar o seu povo”.
E é em Poiares, onde fora visitar a sua mãe, que, depois de já conhecida a sua nomeação para a Arquidiocese de Braga, foi, em 1914, D. Manuel Vieira de Matos novamente preso, por suspeitas de “ter parte num movimento revolucionário contra a República: Interrogado inicialmente na Régua, foi enviado sob prisão para a Guarda e depois para Lisboa (…) treze dias depois foi colocado em liberdade, mas proibido de regressar à Guarda. Partiu então, de novo, para Poiares, onde ainda o esperava sua mãe.”
“É, com efeito, de Poiares da Régua, que a 21 de novembro D. Manuel escreve a Manuel de Arriaga: ‘Eis aqui, Senhor Presidente, a odisseia de um Bispo que, alvejado por ódios sectários, foi, para satisfação desses ódios, submetido a tratos que deixaram o Direito a escorrer sangue, a Justiça cruelmente ultrajada e a lei fundamental do país reduzida a um farrapo vil de que ninguém se importa.”
Colocar em relevo a figura deste homem do Douro é engrandecer o património imaterial desta região vinhateira que, além do excelente vinho, também produz homens de “boa cepa”.
Uma diocese: a igreja católica realiza-se num território
Está de parabéns a Diocese de Vila Real que reflete sobre a sua identidade de Igreja Particular que o Concilio Vaticano II define nestes termos:
“Uma diocese é uma porção do povo de Deus, confiada a um bispo, para que com a ajuda do seu presbityterium, ele seja o pastor; assim a diocese, unida ao seu pastor e por ele reunida no Espirito Santo, graças ao Evangelho e à Eucaristia, constitui uma Igreja particular na qual está verdadeiramente presente e agindo a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica.” (CD. 11)
Portanto, a diocese é a Igreja a realizar-se num território em comunhão com a Igreja universal. D. Joaquim Gonçalves na Carta Pastoral “Um Povo em Festa” sublinha: “Entre cada Diocese e a universalidade da Igreja, existe uma inclusão mútua, pois todo o mistério da Igreja se encontra no interior da Diocese (…) a Igreja católica não existe fora das Igrejas particulares, nem as Igrejas particulares podem existir que não constituam, na sua comunhão a Igreja católica.”
O Cardeal Ratzinger evoca o Pentecostes, como imagem ontológica da Igreja: “Na verdade, ontologicamente, a Igreja-mistério, a Igreja una e única segundo os Padres precede a criação e dá à luz as Igrejas particulares como filhas, nelas se exprime, é mãe e não produto das Igrejas particulares. Além disso, temporalmente, a Igreja manifesta-se no dia de Pentecostes na comunidade dos cento e vinte que estavam reunidos à volta de Maria e dos doze Apóstolos, representantes da única Igreja e futuros fundadores das Igrejas locais, que têm uma missão orientada para o mundo: já então a Igreja fala todas as línguas” (“Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspetos da Igreja Entendida como Comunhão”, nº 9).
Nesta obra, não falta a narração das teias que o Espírito Santo foi tecendo entre diversas dioceses e destas com a Igreja de Roma que preside, na caridade, à comunhão das Igrejas.
História mestra da vida
Este livro do Padre Jorge Fernandes constituiu um enorme contributo para a reflexão sobre a história desta diocese e, ao mesmo tempo, somos implicitamente levados à importância da história para a análise do que é a condição humana ao longo dos tempos e as vicissitudes da Igreja que, na expressão feliz de santo Agostinho, “caminha, neste mundo, entre as perseguições dos homens e as consolações de Deus”.
É a metodologia que São João XXIII, no dia 11 de Outubro de 1962, aponta, no discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II quando, contra os mais céticos e resistentes, afirma: «É bem natural que, inaugurando o Concilio Ecumênico, nos apraza comtemplar o passado, para ir recolher, por assim dizer, as vozes, cujo eco animador queremos voltar a ouvir.” Por isso e para isso, continua João XXIII: “estão diante de nós, na sucessão das várias épocas dos primeiros 20 séculos da história cristã, os testemunhos deste magistério extraordinário da Igreja, recolhido em vários volumes imponentes; património sagrado dos arquivos eclesiásticos, tanto aqui em Roma como nas bibliotecas mais célebres do mundo inteiro”.
E o Papa arremete contra os profetas da desgraça, que também os há no nosso tempo e nas nossas terras. São aqueles que “não vêm senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em comparação com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada aprendeu da história, que é também mestra vida.”
Na sucessão dos capítulos, o autor, nos faz atravessar a viragem do século XIX para o século XX, em Portugal, a passagem da Monarquia para a República, as implicações eclesiais dramáticas destas mudanças sociopolíticas e o caminho que conduziu à criação da diocese de Vila Real.
Obrigado Padre Jorge por nos fazer aprender com a história, que mostra o passado e nos ensina a olhar o tempo presente com o recuo sereno que a história nos recomenda.
Cón. João Morgado